Há algum tempo não escrevo. Não por falta de assunto, pois por mais que sejam os mesmos sempre os tenho. Tempo, a falta de tempo. Não que não o tenha, pois são várias as vezes que aqui me sento e fico á olhar para a tela, inerte. Ás vezes, tenho a impressão que ou escrevo, ou vivo. Se vivo, não tenho tempo de escrever, tantas as informações, experiências, que transbordam de mim e quero contar, e se somente escrevo não vivo. Escrever me faz vivo, mas ás vezes só viver é mais fácil. Ou empurrar com a barriga, ir com o fluxo, pra ser mais claro, e não que a vida seja um mar de rosas.
De nostalgia também se vive, eis minha surpresa. Hoje fui à uma reunião da família, com primos que não via desde os treze anos, tias-avós adolescentes de oitenta anos, noras que parecem sogras (!), e muito churrasco, massas, saladas e doces dos quais nem percebi que já sentia falta. Rostos que se mantém iguais, corpos duas vezes maiores, e alguns nem tanto. Todo mundo com filhos, e alguns filhos também já tem filhos! O que este povo andou fazendo enquanto eu estava fora?
No carro já me prepararam: "Se prepare que o tio Vadão vai chorar...", e assim se sucedeu. De início não me reconheceu, mas chorou do mesmo jeito, assim como fez com cada um dos outros familiares que chegaram antes de mim e em todos os anos que já se passaram. Fui o último a chegar á escola, pertencente á um dos parentes e local do encontro. Fui cumprimentando um a um. Gente que havia esquecido e num instante se tornou tão familiar e presente de novo. Que vida maluca, não me lembrava que tinha primos tão engraçados!
Na porta, uma foto de minha bisavó e uma criança no colo que uns diziam ser minha mãe, outros sua irmã mais velha que daqui se foi quando tinha quatro anos, morreu no colo de minha avó, foto ampliada em preto e branco e de meados do século passado. Sim, a história da geração lá presente já virou de um século pro outro, é engraçado pensar sobre isto. Na foto, minha bisavó, Antonieta e a criança, ambas sentadas no quintal de um terreno enorme que tinham no Butantã, bairro onde eu nasci e fui criado, cada uma com uma mecha de cabelos brancos enorme na parte da frente da cabeça, mecha esta que também tenho, em tamanho menor e que virou a marca registrada da família. Diz a lenda que, durante a gestação de uma de suas filhas, no caso minha avó, a senhora Antonieta acidentalmente deixou cair um litro de leite fervendo, e de mãos molhadas, após o susto e talvez com dor, as colocou na cabeça, indignada com o que havia acontecido, e depois as apoiou nas pernas, mesmos locais onde apareceriam manchas brancas nela e em seus descendentes desde então, isto á partir de minha avó, sendo que as das pernas eu não tenho. Só a mecha branca de cabelos já me causou problemas o suficiente, já fui chamado de Odete Roitman, Cruela e de guaxinim, um trauma. Hoje pego um cotonete e passo uma gota de tinta e água oxigenada, e já é suficiente pra apagar a causa do trauma. Mas bem que achei bem bonitas as que hoje vi na cabeça de outras pessoas.
Uma tia, que aliás tem uma nora que é sua cara e cujo fenômeno constatei ocorrer mais de uma vez na família, notou terem faltado algumas pessoas ao encontro. Meu primo, filho dela e que tem a noiva com a cara da mãe, respondeu que só se as mesmas levantassem da cova, o que causou o silêncio de uns e a gargalhada de outros. Daí, durante toda a tarde se passou o que óbviamente se espera das reuniões de família: os tios bêbados, as piadas sem graça mas que no final todos riem sinceramente, privacidades expostas, o dono da churrasqueira trazendo petiscos vez ou outra, as histórias de viagens e os doces sendo divididos entre todos na hora de ir embora. Telefones e emails trocados, e a promessa de se fazer tudo isto com mais frequência, o que já se sabe que não acontece mas que deixa uma sensação gostosa de continuidade.
É interessante a perspectiva de que se faz parte de um grupo de mesmo sangue. Ali se tem uma posição muito bem definida. É uma ordem já estabelecida, papéis estabelecidos, é o que é. Eu sou o primo de alguém, que é filho de alguém, que é irmão de alguém, que por ventura é minha mãe, ou meu pai. Isto parece que dá uma certa segurança, uma sensação de que as coisas estão caminhando sim, de que existe um caminho sim, e que a gente faz parte dele sim. Que vieram uns lá atrás e já se foram, que virão outros mais á frente, and so on.
Definitivamente preciso fazer mais do que muitas vezes considero programa de índio.