sexta-feira, 6 de novembro de 2009


Com a bochecha direita encostada no balcão do bar, sentia meu corpo inteiro formigando. Horas antes, andando pela cidade com um grupo de espanhóis, entrei no Banco do Brasil pra acompanhar uma conhecida brasileira a tirar dinheiro. Lá dentro, uma figura vestida com saia e blusa indianas, coloridas, cabelo todo encaracolado e avermelhado conversava, alucinadamente, com a caixa do banco vazio, reclamava que sentia saudades do Brasil e dos brasileiros, que não aguentava mais e precisava falar português de qualquer maneira. Olhou pro meu lado, e como tenho imã pra gente doida lá veio ela com seu sotaque nortista, acolhedor, desanuviando os ouvidos da pobre caixa-terapeuta-brasileira-que-mora-em-Amsterda. Deu graças á Deus de ver um brasileiro. Comecei a conversar, ela era interessante e tinha presença de espírito, era bem engraçada. Saímos juntos do banco, nos juntamos ao grupo de espanhóis novamente e fomos andar. Não muito tempo depois, já éramos unha e carne! Por idéia dela, demos um perdido no grupo e sentamos em um bar todo decorado com motivos psicodélicos, todos lá sentados em círculo, no chão, olhando uns para os outros, chapados. Avisei que nunca tinha fumado a mardita. Peguei o cardápio e escolhi a jamaicana, tinha jeito de ser boa e me lembrava praia. Começamos á conversar sobre o Brasil, sobre as praias maravilhosas em contraste daquele dia frio, do seu marido paraguaio que era artista plástico, dos seus dois filhos e seus nomes excêntricos, e eu ria, ria, e dizia estar frustrado porque nada estava acontecendo e que aquele treco não dava barato, uma enganação. Saíndo de lá, andava pelas ruas e até o asfalto eu achava bonito.
Na porta do hostel lá estava ele, um quase príncipe encantado filho de mãe austríaca e pai italiano, todo bem vestido, tudo sob medida, cabelos castanhos claros e pele da cor de jambo, que aliás eu sempre uso como exemplo e nunca ninguém entende que pele é. Pois bem, resolvi puxar um papo, afinal ele já havia me abordado uns dias antes. Me convidou pra jantar ali perto, então lá fui eu, tomei um banho, puxei umas roupinhas "mais ou menos" da mala e dez minutos depois estávamos á caminho do restaurante. Conversamos sobre tudo: família, artes, cinema. Menos de sexo. Incrível ele, mas não se dizia gay. Voltamos pro lobby do hostel, encontrei uns alemães animadíssimos que já há alguns dias faziam uma bagunça divertida no local. Claro que naquela época eu achava engraçado, com vinte anos tudo é engraçaado, e resolvi me juntar á tchurma. Não me lembro muito, só sei que dei umas tragadas numa tora de uns trinta centímetros que ía passando de mão em mão e soltava uma fumaça que empestiou todo o saguão. Ria, ria, ria. O rapaz todo perfeito só observava. Levantei, chamei ele pra fora, falei que estava tonto e comecei a chorar, falei que achava que iria morrer, mas que este não era o problema, pois o pior era como iriam levar meu corpo para o Brasil. Ele me levou pra dentro, me sentou ao lado do balcão do bar e continuou observando. Minha bochecha formigava só de encostar no balcão, estava zonzo mas não parava de pensar como seria o transporte do esquife. Pedi pra deitar no sofá. Ele colocou minha cabeça na sua perna e me fez dormir. Meu vôo de volta ao Brasil seria em algumas horas. Lembro de adormecer olhando pra aquela carinha perfeita alisando minha cabeça. Acordei de madrugada, já na minha cama, e com tempo suficiente para ir ao aeroporto. Vim sentado no banco do meio de três, classe econômica de lá até aqui, um árabe de cada lado e um monte de tranqueiras que trouxe embaixo do banco da frente sem nem poder esticar os pés. Da bicho grilo não escutei mais, havia anotado seu contato mas nunca liguei. Do meu companheiro de farra nem contato eu peguei, mas sempre me vem esta história vez ou outra á cabeça. Sempre me pergunto se estas pessoas algum dia lembram de mim assim como lembro delas. Será?

Primeiro dia de pequenas memórias de viagens...

Aqui no apartamento52, tentativa de concentração enquanto uma travas que escutavam Sarah Brightman com as portas do carro abertas (ninguém merece) agora resolveram tocar Carmina Burana no último volume. Oh, Deus...

3 comentários:

Anônimo disse...

Adorei o ritmo da narrativa!!!!!!!!

Gläuter disse...

Mas o que aconteceu com o Mr. todo bem vestido ?

Lucas Estrada disse...

Delícia de texto...te achei querendo o nome do seu blog pra mim, mas acho que ele tá sendo bem aproveitado contigo, neh?
Não abandona não!
Abraço!